quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Princípio da Igualdade e a Lei da Ficha Limpa.


O Princípio da Igualdade e a Lei da Ficha Limpa: Finalmente o Supremo Tribunal Federal julgou a aplicação da Lei da Ficha Limpa com coerência e bom senso! Já não era sem tempo! Afinal, essa lei nada mais é que um reflexo do sentimento da sociedade ao que vem acontecendo na política brasileira nos últimos anos. Basta lembrar de vários casos de renúncia de políticos para se livrarem da cassação de seus mandatos e direitos políticos e, também, da justiça. Desnecessário citar nomes.

Um dos princípios constitucionais da mais alta relevância para todo o nosso ordenamento jurídico é o Princípio da Igualdade que, expresso no caput do art.5° da Constituição Federal Brasileira, vem integrar todos os outros princípios constitucionais e todo o ordenamento jurídico, quando diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos da Constituição Federal.

Mas, será que esse princípio é aplicado igualitariamente tanto para os cidadãos, como para os criminosos comuns, ou mesmo para nossos representantes quando cometem crimes comuns ou de responsabilidade? E será mesmo que todos os cidadãos e criminosos são iguais aos olhos da lei?

O Brasil é o país que tem hoje uma das mais abrangentes legislações penal do mundo. Aqui, a despeito da imensa tipificação penal, os crimes continuam crescendo, assustadoramente, e a impunidade prevalece sobre a justiça. Nossa Lei Penal é bastante rígida e tipifica quase todos os tipos de crimes possíveis e imagináveis, apesar da enorme flexibilidade em sua aplicação. Aqui no Brasil o que não falta são crimes tipificados.

Mas, do que adianta tantos crimes tipificados se as leis não são aplicadas rigorosamente e com isonomia entre os criminosos, sejam eles pobres ou ricos, representantes do povo (as autoridades) ou o próprio povo (o titular do Poder)? E, por que, com uma legislação penal tão abrangente, ocorre esse aumento da criminalidade a cada dia? Se todos os cidadãos de bem são iguais perante a lei, todos os criminosos (“cidadãos do mal”), também, deveriam ser mais iguais ainda, uma vez que o crime é como a droga, ou seja, ele tem, ou deveria ter, o poder de igualar aqueles que o cometem, sejam eles ricos ou pobres, representantes do povo ou representados, ou não é assim que deveria ser? Mas, pela nossa lei, nem todos os criminosos são iguais, sempre existem uns que são mais iguais que os outros... Essas falsas igualdades trazem ainda mais a “sensação de impunidade”, de desesperança e de descrença na justiça.

Não podemos continuar aceitando essas injustiças sem protestar ou pelo menos fazer um alerta às autoridades competentes, pois; não é isso que o povo brasileiro quer. Não existe injustiça maior do que, por exemplo, quando os nossos representantes, eleitos pelo voto direto, abusam de seu direito de nos representar com honestidade e idoneidade e cometem crimes absurdos e, mesmo assim, nunca são punidos. Fogem da justiça da forma mais covarde possível, renunciando ao mandato que conseguiram com o voto popular, antes mesmo de serem processados, para que, se livrando soltos de qualquer inquérito ou processo, possam voltar, com a maior “cara de pau”, a exercer o mesmo cargo eletivo, livres de qualquer acusação, como se nada tivesse acontecido! Isso é um absurdo!

O povo não agüenta mais tanta impunidade, tanta injustiça! O que o povo quer, na verdade, é a moralização de seus representantes e do Poder Público em geral. Ninguém agüenta mais esse tipo de subterfúgio que beneficia justamente os seus representantes, a quem a lei deveria tratar com mais rigor, pois; com certeza, essa não é a vontade do povo brasileiro. Ninguém quer criminosos no Congresso Nacional, no Poder Executivo ou no Judiciário. Esse tipo de crime deveria ser punido com maior rigor, uma vez que prejudica toda a sociedade e ameaça a própria democracia.

E para isso é importante reconhecer que a Lei da Ficha limpa veio senão para resolver, ao menos para minimizar essa impunidade geral, que, até então, tem reinado no reino da impunidade: o nosso querido, mas ordinário Brasil!

Sylvana Machado Ribeiro. 

terça-feira, 28 de setembro de 2010

O Juízo Natural do Julgamento da Lei da Ficha Limpa


Artigo publicado no Correio Brasiliense do dia 25/09/2010 e na Folha de São Paulo do dia 28/09/2010.

Quem acompanhou o julgamento histórico do recurso extraordinário interposto pelo ex-governador Joaquim Domingos Roriz, dia 23/9, no Supremo Tribunal Federal, sabe que nunca tantos discutiram tanto por tão pouco! Sim, digo isso por que o resultado foi muito pouco convincente, muito pouco jurídico, mas muito político. E isso causa uma enorme insegurança jurídica para toda a população que, às vésperas das eleições, não sabe em quem votar. Basta refletirmos: a quem pode interessar essa procrastinação jurídica? Ou seria política? Se nem mesmo o Supremo não tem as respostas, quem sou eu para responder?


Infelizmente a Corte Suprema não conseguiu decidir sequer quanto à aplicação de seu regimento interno, quem dirá da grande e esperada polêmica sobre a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa, que é o cerne da questão. E eu me pergunto: em quem podemos confiar?

É óbvio que os ministros já previam que o julgamento poderia empatar e, mesmo assim, compareceram para o julgamento sem saber qual seria o deslinde da questão em caso de empate. Isso é um absurdo! É como se num concurso público o edital não previsse o que deveria acontecer em caso de empate dos candidatos e a banca examinadora resolvesse que não teria como desempatar os candidatos e assim decidisse adiar o concurso por prazo indeterminado!

Apesar da grande polêmica que se instalou na sessão, a respeito da convocação de outro ministro para compor a Corte Suprema a fim de desempatar o resultado do polêmico julgamento, tenho para mim que esta alternativa é inconstitucional, uma vez que fere, frontalmente, o princípio do juiz natural.

Ora, uma coisa é nomear um ministro para o Supremo com o objetivo constitucional de compor o tribunal para julgar toda e qualquer causa que seja de sua competência, isso seria legítimo e constitucional.

Outra, bem diferente, é nomear ministro específico para compor o mesmo tribunal, mas com o objetivo pré-determinado de compor o “quorum” para desempatar a votação pendente a respeito de matéria pré-questionada. Isso sim seria escolha de juízo, o que fere o princípio do juiz natural, pilar fundamental de sustentabilidade da República.

E isso nós não podemos aceitar sob pena de ferir diretamente a função institucional do Supremo Tribunal Federal que deveria, de qualquer modo, julgar tal questão, mesmo com sua composição defasada. Afinal, o julgamento pelo Supremo- apesar de tratar-se de órgão colegiado- deve ser conciso, único, indivisível e refletir o pensamento da mais alta Corte de Justiça da Nação e não de cada ministro separadamente.

Não se pode admitir conduta diversa do Supremo Tribunal Federal senão o julgamento imediato, mesmo que sua composição esteja defasada à época do julgamento, já que este é o juízo natural desta causa, e este (o Supremo) não pode se negar a julgar qualquer causa posta sob pena de se configurar negativa de jurisdição, mesmo que haja empate técnico, visto que, existem alternativas constitucionais para resolver o impasse, mas que foram, igualmente, rejeitadas pela Corte Suprema.


Ademais, se cabe ao Presidente da República escolher o próximo ministro do Supremo, que desempatará o julgamento, então, quem vai julgar, na verdade, é o presidente que pode escolher quem ele quiser, visto que, já sabendo, anteriormente, qual é a tendência do escolhido para o voto de minerva, pode escolher e nomear quem melhor lhe convier. E isso não é difícil de acontecer, pois, qualquer candidato escolhido para compor a corte será conhecido do meio jurídico e, portanto, previsível sua opinião ou tendência sobre a questão posta. Lembremo-nos que a única exigência constitucional para se preencher uma vaga no Supremo é que o candidato tenha reputação ilibada, ou seja, não é preciso sequer que seja formado em Direito!

Portanto, por uma questão de justiça, não se pode escolher o juiz depois que a questão já foi posta, pois, isso sim seria escolha de juízo, ou seja, é conduta proibida pela Constituição Federal por ferir o princípio do juiz natural. Lembremos, também, da proibição expressa na Magna Carta da formação de tribunais de exceção. Na linguagem popular, uma causa só pode ser julgada por um juiz ou tribunal previamente formado e constitucionalmente competente para julgá-la.

Conclui-se, então, que não pode o Supremo Tribunal Federal se negar a julgar por falta de “quorum”, uma vez que, existem diversas alternativas regimentais que apontam outros caminhos para resolver a pendência, sob pena de ferir, o princípio do juiz natural e, também, por via reflexa, o princípio constitucional da proibição de negativa de jurisdição.

Enfim, eu me pergunto: que país é esse que não podemos confiar nem mesmo na mais alta Corte de Justiça? Isso traz uma enorme insegurança jurídica e uma descrença popular na justiça que, infelizmente, está a cada dia mais desacreditada!

Sylvana Machado Ribeiro.