segunda-feira, 26 de março de 2012

Violência Presumida nos Crimes Sexuais

A violência presumida, nos crimes sexuais, pode ser relativizada?

No último dia 23/03/12, foi publicada no Diário Oficial de Justiça, decisão da 3ª Secção do STJ, proferida nos Embargos de Divergência no Recurso Especial Nº1. 021.634 - SP (2011/0099313-2), cuja relatora foi a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, que considerou a presunção de violência, relativa, nos crimes de estupro de vulneráveis (menores de 14 anos). Em relação a essa polêmica decisão, cuja repercussão negativa atingiu vários setores da sociedade, incluindo até a comunidade internacional, temos algumas considerações a fazer:

Em primeiro lugar é fato que, sua divulgação causou grande repercussão nacional devido à prevalência da tese jurídica de que a presunção de violência em crime sexual contra menores é relativa, apesar de que se tratava, no caso específico, de crime cometido em contexto de prostituição infantil. A tese jurídica em si (de que a violência presumida é relativa), deve ser considerada correta por que dá liberdade de julgamento, ao juiz, nos casos concretos. Mas o problema foi que em decorrência da tese prevalente, a conseqüência foi a absolvição de um réu acusado de estuprar 6 mulheres, sendo 3 menores de 12 anos e sob a argumentação de que o réu era inocente devido ao fato de que as menores já se prostituíam à época dos fatos. E isso foi o que causou a grande polêmica e enorme repercussão na imprensa nacional e internacional. E por causa dessa repercussão negativa o Superior Tribunal de Justiça divulgou nota esclarecendo que: “a decisão não viola a Constituição, não institucionaliza a prostituição infantil, não incentiva a pedofilia e não promove a impunidade.” Será mesmo?

O problema é que, mesmo que não tenha sido essa a “intenção da decisão”, com ela o réu acusado de praticar 6 estupros, sendo 3 com menores de 12 anos, foi absolvido sob o argumento de que não houve estupro porque as 3 menores de 12 anos, já se prostituíam, à época do crime! E isso é que foi o “equívoco” da decisão, ou seja, a absolvição de réu acusado de estupro de menores, em um contexto fático de prostituição infantil, que foi provado nos autos, tanto que a fundamentação jurídica se deu com base no fato de as vítimas já se prostituírem, à época dos fatos. Isso, inclusive, é fato incontroverso nos autos. Tanto que o juiz de primeira instância absolveu o réu por entender que não houve estupro porque as vítimas, prostitutas (de 12 anos de idade), teriam consentido a “suposta violência”. Ora, se isso não for incentivo à prostituição, então, eu não sei o que seria.

Todos nós sabemos que prostituição no Brasil não é crime, mas que o incentivo ou a exploração à prostituição é, nos termos do artigo 218-B do Código Penal Brasileiro, “in verbis”:

“Art. 218-B. Submeter, induzir ou atrair à alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone. Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos.”

Sendo assim, se houve prostituição infantil e não houve nenhuma punição para essa conduta, então, o incentivo, mesmo que indireto, é flagrante! Ademais o § 4º do art.227 da Constituição Federal diz que “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente”. E a respeitável decisão, simplesmente, ignorou o espírito da lei que é proteger as crianças e os adolescentes contra o abuso e exploração sexual. E em conseqüência absolveu o réu ignorando o Princípio Constitucional de Proteção Máxima à Infância e à Adolescência que deve prevalecer sempre. Sendo assim, a decisão violou, sim, a Constituição Federal e o “espírito” da lei penal.

Então, eu me pergunto: como punir os exploradores da prostituição infantil? Se o STJ ignorou as determinações da CF e do Código Penal que protegem a dignidade sexual de menores de 12 anos, não estaria incentivando à pedofilia? Admitir que a presunção de violência é relativa, nesse caso específico, cujo contexto fático trata-se de prostituição infantil, como comprovado nos autos por provas testemunhais colhidas no juízo de primeira instância, é sim ignorar a situação de exploração sexual de menores, fazendo “vista grossa” à Constituição Federal e ignorando o espírito da Lei Penal que visa proteger a dignidade sexual de crianças e adolescentes.

É importante, ainda, ressaltar que a partir da modificação do Código Penal, pela Lei 12.015, de 07/08/2009, que alterou todo o capítulo Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, que antes era chamado de Dos Crimes Contra os Costumes, ou seja, mudou-se até o nome dos crimes, por entender que o bem jurídico afetado, a dignidade sexual, é direito indisponível. Sendo assim, hoje, essa lamentável decisão estapafúrdia já nasceu ultrapassada e obsoleta por que fere o espírito da lei que é de proteger a dignidade sexual das vítimas. Nesse sentido, é um absurdo que se considere que não houve crime de estupro por que as vítimas, menores de 12 anos, já se prostituíam! Isso é o mesmo que dizer que não há crime de homicídio por que a vítima, suicida, consentiu no crime de morte. O que uma coisa tem haver com a outra? Tudo. É que nos dois casos o que está acontecendo é a aplicação do Direito Penal do Autor, só que para as vítimas, ou seja, quem está sendo julgado, na verdade, não é o criminoso (estuprador) e sim as vítimas (crianças de 12 anos). Um absurdo jurídico!

É o resgate do Direito Penal do Autor, só que, agora, sua aplicação seria contra a vítima, visto que, elas estariam sendo julgadas pela suposta prostituição (sua conduta: que, aliás, não é crime ), e não o réu pelo crime de estupro de vulnerável. É o mesmo que absolver um homicida por que a vítima (suicida) queria morrer. Esquece-se, no entanto, que o Direito à vida, à liberdade (aqui incluída a liberdade ou dignidade sexual) é direito indisponível. Sendo assim, se até mesmo prostitutas (maiores) podem ser vítimas de estupro, quem dirá crianças de 12 anos! E isso em nada exime ou abranda a culpa do estuprador. Se estupro cometeu, não interessa quem seja a vítima: se prostituta, se criança, se adolescente, se adulta, se esposa, se namorada, enfim, todas são vítimas da mesma forma. Enfim, a conduta da vítima não pode, definitivamente, influenciar no julgamento do criminoso, ainda mais quando se tratam de vítimas de 12 anos de idade que sofreram um crime dos mais abomináveis: o estupro de vulnerável, cuja presunção de violência deve, sim, ser absoluta, nos moldes do atual artigo 217-A do CP.

O Código Penal mudou em 2009 justamente para proteger as vítimas menores de idade, para que elas fossem protegidas dos estupradores e não julgadas por seus atos que, infelizmente, são meros reflexos de uma sociedade que erotiza suas crianças e solta seus estupradores.

Ademais, não podemos nos esquecer que Direito é antes de tudo bom senso. Nesse sentido, apesar da decisão estar, juridicamente, correta, posto que proferida em Embargos de Divergência que, como o próprio nome diz, trata-se de recurso que visa uniformizar o entendimento do Tribunal sobre questão jurídica controversa: no caso a violência presumida em estupro de menor. Temos que nos lembrar que, o que causou tanta polêmica na decisão, não foi a tese jurídica que prevaleceu (a violência presumida é relativa) e sim sua “infeliz” fundamentação, no caso concreto, que confirmou o entendimento machista, proferido na sentença, pelo juiz de primeiro grau, que para absolver o réu entendeu que o fato das vítimas se prostituírem, à época do crime, era motivo determinante para a absolvição do réu! E isso sim é que está errado, na fundamentação da decisão, e não a tese jurídica de que a violência presumida é relativa. Isso por que, a violência no crime de estupro de menor pode até ser, sim, relativizada, no caso concreto, mas, jamais em caso de prostituição infantil! Poderia sim, ser relativizada, por exemplo, no caso de um namoro entre um homem maior de idade e uma menor de 14 anos. Mas, não no caso específico em que o réu foi processado por 6 estupros, sendo 3 de menores de 12 anos! Aí não dá, não é mesmo? Aí é forçar muito! Isso não é questão de direito e sim de bom senso!

Por último, não podemos nos esquecer que imputabilidade é a capacidade de culpabilidade. Sendo assim, inimputabilidade é a falta de culpabilidade, imposta pela lei que, no Brasil é aferida pelo sistema biológico ou etário, ou seja, somente pela idade do agente. Assim, como adotamos o sistema etário, a culpabilidade é aferida pela idade do acusado quando da ocorrência do delito. Portanto, se o acusado, no momento do crime, for menor de 18 anos, será inimputável sempre, sem exceção, pois; nesse caso a presunção de inocência do menor de 18 anos é absoluta, ou seja, não admite prova em contrário. Ademais, a inimputabilidade do menor de 18 anos foi constitucionalizada pelo art.228 da CF que diz que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.” Nesse sentido, entendemos que a menoridade penal é clausula pétrea (art.5º, §2º, da CF, c/c art.60, §4º e art.228 da CF) e, por isso, não pode ser modificada nem mesmo por emenda constitucional.

Então, se a CF quis proteger os menores, quando infratores da lei penal, não pode excluir da proteção da lei, esses mesmos menores, quando forem vítimas de crimes sexuais. Admitir a relativização da presunção de violência para absolver criminosos que cometeram crimes hediondos contra menores, como o estupro de vulnerável, é ir contra o espírito da Constituição Federal e da Legislação de Proteção ao Menor. Não teria a menor lógica jurídica essa interpretação permissiva da lei penal, quando a vítima for menor. Seria o mesmo que “dar com uma mão e tirar com outra”. Não pode a lei permitir de um lado e proibir de outro: ou seja, se a presunção de inocência é absoluta, quando o menor for infrator; a presunção de violência deve ser absoluta, também, quando a vítima for menor, ou seja, no caso de crime de estupro praticado contra menor, sob pena de violação do Princípio Constitucional de Proteção Máxima a Criança e ao Adolescente.

Por todo o exposto espero que com os Embargos de Declaração, que visam esclarecer a decisão, impetrados pelo Ministério Público, o STJ possa ter o bom senso de, pelo menos, mudar essa estaparfúdia fundamentação da decisão, para que, pelo menos, possa prevalecer o bom senso! Assim espero!

Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília.

terça-feira, 20 de março de 2012

A Industrialização dos Concursos Públicos



Ninguém nasce com o sonho de ser Funcionário Público. No entanto, a maioria das pessoas quer, sim, passar num concurso e ficar a vida inteira “batendo carimbo”. Por que será?

Por que vivemos no país da inversão de valores, onde ser atendente, no Senado Federal, significa ganhar mil vezes mais que um professor com Mestrado ou Doutorado. E que não interessa a sua inteligência, ou habilidade, desde que você passe no concurso. E que pouco importa qual seja a sua nota, desde que esteja acima da “nota de corte”. E muito menos qual o cargo que está concorrendo, pois, a maioria dos cargos exige nível médio ou “qualquer nível superior” (que especialidade é essa?).

E que as questões sequer avaliam a aptidão ou os conhecimentos técnicos específicos do candidato para um cargo especializado. E pouco importa se as melhores cabeças nunca conseguirão passar por que não têm tempo para decorar besteiras. Pois, o objetivo dos concursos não é profissionalizar o serviço público e sim arrecadar dinheiro com as inscrições. E que o montante relativo às inscrições pode chegar a milhões de reais e ninguém sabe onde vai parar.

Ademais, quanto mais concursos tiverem melhor para a “indústria paralela dos concursos públicos” que enriquece a cada dia. E que não é por que você estudou, passou dentro do número de vagas que você será nomeado. Portanto, não adianta nada investir tempo, dinheiro e esforço por que, simplesmente, você pode nunca ser chamado para preencher aquela vaga, que pode jamais estar disponível e que você, também, não tem como fiscalizar.

Enfim, estamos no país onde ser funcionário público virou profissão, concurso público virou indústria, e os candidatos viraram otários. E, por fim, ser professor só é vantagem para quem é o dono do cursinho. É ou não é a industrialização do concurso público?

Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília.


terça-feira, 13 de março de 2012

Somos mesmo Tupiniquins?


Minha carta publicada hoje, dia 13/03/12, na coluna Leitor do Correio Braziliense.  


O povo brasileiro mostrou ao mundo que até pode ser tupiniquim, mas que isso não significa que somos alienados ou bobos. Muito pelo contrário, às vezes, ser tupiniquim pode ser, sim, sinônimo de povo corajoso, antenado e ciente de seus direitos e obrigações.

 Isso aconteceu com a iniciativa e aprovação da Lei da Ficha Limpa, que, por pressão popular, acabou sendo aprovada no Congresso Nacional e provou nossa capacidade de luta e perseverança na condução dos assuntos da nação. Nesse sentido, ser tupiniquim significou que não aceitamos mais sermos conduzidos por políticos ímprobos e desonestos.

 Outro exemplo é o movimento popular que começou em Brasília e já alcançou todo o Brasil relativo ao fim do 14º e 15º salários dos parlamentares. Quando não quer algo, o povo se une e luta até conseguir vitória. E isso, com certeza, não é ser tupiniquim.

 Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília. 

terça-feira, 6 de março de 2012

Política não é Profissão.

Minha carta publicada na Coluna Opinião do Correio Brasiliense do dia 06/03/12.

Concordo com o Deputado Chico Leite quando ele diz que política não é profissão. E, por isso mesmo que ele deveria continuar recebendo como Promotor de Justiça e não como Deputado Distrital.  Isso por que o § 2º, do artigo 204, da Lei Complementar 75, que rege o Ministério Público da União, do qual ele ainda integra, apesar de estar afastado para exercer o mandato de Deputado Distrital, assim o permite, ao dizer que “O membro do Ministério Público da União poderá afastar-se do exercício de suas funções para: ...IV - exercer cargo eletivo nos casos previstos em lei ou a ele concorrer, observadas as seguintes condições: ...§ 2º Os casos de afastamento previstos neste artigo dar-se-ão sem prejuízo dos vencimentos, vantagens ou qualquer direito inerente ao cargo, assegurada, no caso do inciso IV, a escolha da remuneração preferida, sendo o tempo de afastamento considerado de efetivo exercício para todos os fins e efeitos de direito.” Sendo assim, ele não cometeu nenhuma ilegalidade ou imoralidade ao optar pela remuneração de Promotor de Justiça, ao tomar posse no cargo de Deputado Distrital, conforme lhe faculta a Lei Complementar 75. E como excelente Promotor de Justiça que ainda é, conhecedor das leis e de seus direitos, mesmo não tendo cometido nenhuma ilegalidade ou falta de ética, resolveu acatar a resolução da Câmara que determina que sua remuneração deverá ser a proveniente da Câmara Legislativa e não do Ministério Público do DF. Mais uma vez o Deputado Chico Leite mostrou a que veio, aceitando fazer sacrifícios pessoais em prol do bem comum. Um exemplo que deveria ser seguido por todos aqueles que fazem da política profissão.               

Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília. 

domingo, 4 de março de 2012

Cotas Sociais nas Universidades: a ilusão da igualdade social.


Cotas Sociais nas Universidades: a Ilusão da Igualdade Social.

Será mesmo necessário criar cotas nas universidades brasileiras para negros e índios? Não seria melhor valorizar e melhorar o ensino médio-técnico, não só para os negros e índios, mas para todos os brasileiros. A valorização do ensino técnico-científico é uma necessidade urgente para a melhoria do ensino e da qualidade de vida de todos os brasileiros.

O Brasil valoriza muito o ensino superior e se esquece do ensino técnico. Isso gera uma desigualdade social, cada vez maior, nas oportunidades de trabalho. Ademais, é fato que a maioria das pessoas, independentemente da raça ou cor, não tem a menor vocação para a vida acadêmico-científica.

Então, para que criar vagas nas universidades para negros e índios, quando podemos melhorar o ensino técnico e, assim, gerar mais empregos e minimizar as desigualdades sociais entre a população carente e a rica. Afinal, a desigualdade social existe não por causa da cor ou raça e sim por causa da pobreza. Portanto, o problema não é a cor da pele ou a raça e sim a conta bancária.

Em países desenvolvidos, como nos EUA, por exemplo, a maioria dos estudantes termina o ensino médio e vai trabalhar. Na verdade, são raros os americanos que fazem faculdade. A maioria dos universitários de lá são estrangeiros. Diferentemente daqui, lá somente a elite é que faz faculdade, por que o ensino superior americano é muito caro e pago. Assim, a maioria dos americanos sequer sonha com a formação acadêmica superior. Geralmente, quando eles concluem o ensino médio, que também é técnico, já saem sabendo alguma profissão técnica e, portanto, preparados para o mercado de trabalho. Enfim, a faculdade nos EUA é um privilégio de poucos.

E aqui, no Brasil, a maioria dos brasileiros que tem curso superior, não trabalha na sua área de formação, pendura o diploma na parede e vai tentar a vida em outra profissão. Isso é a prova de que, o que precisamos mesmo é a melhoria do ensino técnico para todos os brasileiros e não a criação de cotas nas universidades para negros ou índios.

Precisamos entender que faculdade não é a solução de vida para quem não tem vocação acadêmico-científica. E que igualdade de oportunidade começa no ensino técnico, que é uma maneira eficiente de diminuir as desigualdades sociais, capacitando as pessoas para o trabalho. E que universidade é um luxo para aqueles que realmente têm vocação independentemente da cor, raça ou conta bancária.

Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília.