Aliança a Três: A despenalização do Crime de Bigamia.
Que ética é essa que ainda considera a “bigamia”
crime, e não, o “adultério”, que desde a lei n°11.106/05, não é mais considerado crime? Então, eu
posso trair meu cônjuge, à vontade, desde que ninguém saiba? Mas, se eu
resolver assumir meu “segundo cônjuge” em público, oficializando minha união
através do casamento, eu cometo “crime de bigamia”, ainda que meu cônjuge
concorde?
Não entendo isso, pois, para mim o que vale é a
verdadeira intenção das pessoas e não as aparências. Essa ética falseada pela
convenção de que o casamento só pode ser um, é que têm despertado vários crimes
passionais. Não seria a hora de rever esses conceitos e valores hipócritas?
Afinal, ter mais de um cônjuge, ao mesmo tempo, não poderia ser considerado
crime em lugar nenhum, pois, muitas pessoas (mais evoluídas) já não se importam
com a exclusividade e possessividade sexual que consideram um valor
ultrapassado e mesquinho.
Esses valores exclusivistas e egoístas ignoram a
realidade amorosa de muitas pessoas que, apesar de terem mais de um cônjuge,
são obrigados a manterem as aparências, escondendo o “segundo cônjuge”, sob
pena de serem trancafiados em selas como se fossem verdadeiros criminosos.
Muitas vezes esses “criminosos” que constituem mais de uma família, são mais
felizes que muitas famílias tradicionais de pessoas fiéis, porém, infelizes.
Já não seria a hora de se rever esses valores
egoístas e medíocres e despenalizar a bigamia, assim como foi feito com o
adultério? Aliás, essas pessoas que ousam a amar mais de um cônjuge, e
construir mais de uma família, deveriam ser exemplos para a sociedade, na
medida em que, muitas vezes se sacrificam, sobremaneira, para manterem
mais de um lar, a despeito das dificuldades e preconceitos que enfrentam.
No mundo de hoje, onde reina o egoísmo e o
individualismo, isso deveria ser um exemplo de solidariedade e altruísmo. Nos
tempos atuais qualquer forma de amor é válida, desde que seja para o
aprimoramento da felicidade conjugal e familiar. A bem da verdade, o amor
verdadeiro não deveria ter limites em regras pré-estabelecidas em leis ou
contratos.
Aliás, assim como hoje é possível ao casal
estipular um regime de bens próprio em seu casamento, através do pacto
antenupcial, deveria, também, ser possível estipularem o tipo de casamento que
desejam: se monogamia ou se poligamia. Somente quando isso for possível é que
teremos alcançado a verdadeira social democracia, em seu sentido mais amplo e
democrático, ou seja, sem a exclusão de ninguém, muito menos do(a)s “amantes”
que muitas vezes são responsáveis pela total felicidade das famílias ditas
tradicionais.
Nesse sentido o direito deveria acompanhar a
evolução dos costumes da sociedade e fazer o papel que lhe é próprio, ou seja,
regulamentar, através de leis, o maior número possível de situações fáticas e,
principalmente, aquelas que foram esquecidas pelo legislador, como é o caso da
poligamia. Assim, a poligamia deveria ser repensada e regulamentada por nossos
legisladores, mesmo que eles não concordem com essa prática, pois, não é
problema do direito estabelecer normas morais e sim identificar e regular
direitos. Enfim, ao Direito, cabe, tão somente, regular e proteger as pessoas e
seus direitos de forma igual e sem preconceito. Afinal, todos são iguais perante
a lei e merecem a mesma proteção jurídica em suas relações familiares sejam
elas quais forem.
Deixo aqui uma questão para reflexão: até que ponto
o Estado pode legislar restringindo a formação de novos núcleos familiares
diversos da forma como são formados na atualidade, sem restringir o número ou o
sexo de seus componentes, e sem discriminar outras formas de família que podem
surgir com a evolução da sociedade? Pode mesmo o Estado impedir que pessoas
convivam em união familiar e adquiram direitos decorrentes dessa convivência,
simplesmente, por que pretendem formar uma família diferente da tradicional?
Penso que não, pois, o Estado não pode interferir na vida íntima e familiar das
pessoas, principalmente, em relação a questões fundamentais como a busca pela
felicidade através da realização pessoal dentro da família, que deve ser
protegida de forma que não restrinja as possibilidades múltiplas que existem
para formação de novas famílias diferentes das convencionais a fim de realmente
proteger o direito fundamental das pessoas de viverem de forma livre,
democrática, ética, harmônica, amorosa, responsável e feliz.
Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília
desde 1992. Formada pelo UNICEUB e Pós-Graduada em Processo Civil pelo
Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil.