terça-feira, 2 de junho de 2015

Venire Contra Factum Proprium e Bem de Família

Artigo publicado no Direito e Justiça, do Correio Braziliense, em 23/02/15.

Venire Contra Factum Proprium  e Bem de Família.


A observação da aplicação do Princípio do Venire Contra Factum Proprium nos atos judiciais tem sido cada vez mais comum no Processo Civil Brasileiro. A presunção de legalidade dos atos judiciais tem impedido a correta aplicação do escopo do processo, devido a sutiliza da aparente legalidade de alguns atos judiciais eivados de ilegalidade em face da conduta contraditória de juízes, Magistrados, explique-se, que se cobrem pelo manto da aparente legalidade, apesar da sua contradição implícita, que é vedada pelo ordenamento jurídico e que torna as decisões absolutamente ilegais por ferir a boa-fé processual.   

O juiz, muito mais que as partes, deve primar pela conduta ilibada e pela boa-fé na condução dos atos processuais, pois ele é o presidente, o condutor do processo. Portanto, é a parte responsável pela efetiva realização da justiça. Assim, não basta ser o juiz honesto, ele tem que agir honestamente. E o juiz que, na condução do processo, age de forma contraditória está ferindo não só o devido processo legal, como, também, o direito da parte de ver na aplicação da lei, ao caso concreto, a realização da verdadeira justiça!

O art.14, inciso II, do CPC, diz que, é dever das partes, e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, procederem com lealdade e boa-fé. Se é dever das partes, é mais ainda do magistrado, que, como parte especial e condutora do processo, tem a responsabilidade crucial de efetivar no processo a verdadeira justiça. Assim, não se pode admitir jamais conduta desleal ou de má-fé do magistrado sob pena de inviabilizar a própria justiça.

Infelizmente, em nossa militância forense, temos visto cada dia mais a contradições nos atos judiciais que inviabilizam o devido processo legal, embora algumas sequer são percebidas pelas partes. Isso talvez esteja acontecendo devido à confiança que os cidadãos depositam na pessoa do juiz, acreditando que eles não erram. Nada mais absurdo. Se não errassem não precisaria de recurso. A justiça é cara, mas a injustiça é mais cara ainda! Portanto, um bom advogado ainda é a principal arma contra as arbitrariedades judiciais. 

Vejamos um exemplo de ato judicial contraditório e, portanto, ilegal, ocorrido em processo de execução que quase inviabilizou a aplicação da Lei 8009/90 que rege o Instituto do Bem de Família. Aconteceu em um processo de execução, em que o exeqüente indicou o único bem imóvel do executado à penhora (bem de família por presunção legal), e apesar da prova pré-constituída de que se tratava de bem de família, o magistrado determinou a penhora da casa, em violação frontal a Lei 8009/90, norma de ordem pública, que veda qualquer constrição ao bem de família. Houve, neste caso, clara violação do Venire Contra Factum Proprium na decisão judicial. Isto por que o magistrado com o seu comportamento anterior omissivo (ignorando as provas apresentadas pelo exeqüente e confirmadas pelo executado de que se tratava de bem de família), agiu em contradição às provas dos autos, determinando a penhora. E, dessa forma, prejudicando o executado, que tinha as provas em seu favor, ou seja, frustrou a expectativa do devedor de que teria a aplicação correta da lei 8009/90, que veda a penhora em bem de família.

Configurada, portanto, flagrante contradição na conduta judicial. Isso porque, na medida em que o juiz, com seu comportamento omissivo, ignorou as provas dos autos, para, posteriormente, determinar a penhora do bem de família, favoreceu o credor, ao desconsiderar, em sua decisão, a prova feita pelo executado. Prejudicou, assim, sobremaneira, o direito do devedor de não ter sua casa penhorada. Portanto, com sua conduta contraditória, o magistrado feriu a expectativa do devedor de ter a aplicação correta da lei 8009/90, que veda a penhora em bem de família. Houve, em conseqüência, clara violação do Venire Contra Factum Proprium. 

Não fosse a oportunidade de se questionar a validade da decisão através do recurso cabível (Agravo de Instrumento com pedido de Efeito Suspensivo), a parte jamais teria a oportunidade de corrigir a decisão judicial contraditória e ilegal e teria tido sua casa, seu lar, sua residência, enfim, seu bem de família ilegalmente penhorado.

Enfim, a observação do Princípio da Venire Contra Factum Proprium no Processo Civil é medida que se impõe de forma primordial, a fim de se eliminar contradições nos atos judiciais, que decidem a vida das pessoas de forma quase sempre irreversível.

Sylvana Machado Ribeiro é advogada, Graduada em Processo Civil pelo Instituto de Direito Processual Civil Brasileiro. Pós-Graduada em Direito e Jurisdição pela Escola da Magistratura do Distrito Federal.