domingo, 29 de maio de 2011

Dois Pesos e Duas Medidas



Artigo publicado no caderno Diário e Justiça do Correio Brasiliense no dia 04/04/11.

http://cnj.myclipp.inf.br/default.asp?smenu=noticias&dtlh=162562&iABA=Not%EDcias&exp=

Natureza Jurídica das Relações Homoafetivas:

O problema das relações homoafetivas tem causado muitas polêmicas, na atualidade, sob diversos aspectos. Mas, o que mais me impressiona é a falta de sensibilidade de alguns juízes quanto ao verdadeiro sentido da palavra “família” na sociedade brasileira do século XXI.

É sabido que o Direito regula as relações existentes entre as pessoas e entre as pessoas e as coisas. E a vida, dinâmica como é, muda continuamente, assim como as relações entre as pessoas muda, também, muito antes do direito que as regula.

Na verdade, as relações jurídicas existem, de fato, independentemente do nome que têm ou do direito que representam. Em outras palavras, pouco importa o nome do instituto jurídico (família, união estável ou relação homoafetiva) desde que o direito consiga proteger as “relações jurídicas afetivas” entre as pessoas, sem distinção de qualquer natureza, pois, pessoas são pessoas, não importa o sexo, a posição social, a religião ou a profissão. Portanto, todos somos seres humanos e temos os mesmos sentimentos e temores. E como diz o Dalai Lama: a busca pela felicidade é o que iguala todos os seres humanos.

Assim, o termo família, no sentido jurídico é um, mas, na realidade da vida na sociedade brasileira (a vida como ela é) é outro, bem diferente, e esse significado tem mudado, significativamente, ao longo dos anos. E isso é uma realidade irrefutável.

Afinal, o que é a família brasileira hoje em dia? Será que é a mesma do século XVI? Será que a cultura de um povo influencia no sentido de seu significado? Será que a família indiana do século passado é igual à família americana do século XXI. Ou será que o termo família tem significados diversos no tempo, no espaço e em culturas diferentes?

Quando se diz família pensamos de imediato numa instituição de pessoas ligadas, por um “vínculo afetivo”, que tem como objetivo a construção de uma vida em comum, onde todos se ajudam e se apóiam. Será que esse conceito está ultrapassado, ou será que esse é o verdadeiro sentido da palavra família em todos os lugares?

Esse conceito pode ser muito bom para nós brasileiros, que somos reconhecidamente um “povo afetivo”. Mas, será que serve para a família americana? E para a família africana, será que serve?

Sabemos que nos EUA, diferentemente do que ocorre aqui, os filhos quando completam 18 anos deixam suas casas (a casa de seus pais) e vão viver em outra cidade, de preferência, bem longe de seus pais, para terem sua própria vida, independentemente do vínculo afetivo que os unem. Aliás, esse suposto “vínculo afetivo” que une pais e filhos é bem diferente de um país para outro, pois, é uma questão cultural, também. Todos nós sabemos que o povo brasileiro é, por natureza, e por que não dizer por uma questão cultural, um povo muito “afetivo” e isso é uma característica peculiar que o difere de outros povos como os americanos, os europeus, os africanos. Enfim, cada povo possui uma cultura diferente, o que significa que o termo família não pode ter o mesmo significado em todos os lugares.

Na África, por exemplo, em alguns países onde a população vive em tribos, é costume se oferecer a filha ao visitante, para que ele durma com ela, e se ele rejeitá-la, o pai diz que ele pode, então, levá-la consigo para sempre, como um presente que se dá a um amigo! Mas, o visitante não precisa ser amigo da família, necessariamente, para que seja presenteado não; basta que seja um turista conhecendo seu país para que seja digno de dormir ou de “levar” sua filha como se fosse uma “coisa”, um “objeto descartável”. Pasmem! Mas isso acontece ainda hoje, em pleno século XXI! Será que o conceito de família nas tribos africanas é o mesmo que em nosso país? Evidentemente que não!

Muito tem se questionado se a união homoafetiva pode ser considerada família, no “sentido jurídico brasileiro” do termo. E existem opiniões em todos os sentidos. O Direito de Família tem vários princípios que devem ser observados pelos operadores do direito na aplicação da lei ao caso concreto, a fim de que não sejam tratadas as questões de família sem a real cautela necessária para se julgar questões relativas às pessoas, que não são “coisas”, pelo menos não para o Direito de Família Brasileiro. Já não posso dizer se o sentido jurídico de “pessoas” ou de “coisas” na África seja o mesmo que o daqui do Brasil. Penso que não.

O Principio da Dignidade da Pessoa Humana é um deles, bem como o Principio da Convivência, da Solidariedade, dentre outros. Nas questões da guarda de menores tem se falado muito no Princípio do Respeito à Vontade do Menor, ou seja, o juiz na hora de definir a quem deve conceder a guarda, considera, principalmente, o que realmente é melhor para o menor, e não somente para os pais ou supostos guardiões. E nem sempre o que é melhor para a criança é realmente o melhor para os pais, assim como, nem sempre o que a criança acha que é o melhor para ela, realmente é.

Nas questões que envolvem a guarda de menores, o “vinculo afetivo” tem sido prestigiado, por nossos magistrados, quando têm que se decidir sobre a guarda de menor que está sendo disputada entre pai biológico e pai afetivo, por exemplo. E, muitas vezes o “vinculo afetivo” tem prevalecido em detrimento do vinculo sangüíneo. E isso tem acontecido bastante em nossos tribunais.

Então, eu me pergunto, não seria o caso de se prestigiar o “vinculo afetivo” em detrimento da “natureza do vinculo jurídico” das uniões homoafetivas?
Nesse sentido, qual é a diferença entre uma família formada entre um homem e uma mulher que se amam (às vezes nem tanto) e entre duas pessoas do mesmo sexo, onde, muitas vezes, o “vinculo afetivo” é até mais verdadeiro e profundo? Quem realmente pode julgar o “quanto” duas pessoas se amam? Quem se habilita?

Tratar as questões de guarda de menores prestigiando o “vínculo afetivo” e não prestigiar esse mesmo vínculo de amor, carinho, solidariedade, nos casos das uniões homoafetivas é sim usar dois pesos e duas medidas.

Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília.