Pode
o Presidente da República ser responsabilizado por Crime de Responsabilidade
cometido no mandato anterior?
O § 4º do art.86
da CF reza que, “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser
responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” E o que seriam atos estranhos ao
exercício de suas funções? Difícil resposta, na medida em que, não existe lei
que regulamenta a matéria, ou seja, nenhuma lei diz, expressamente, o que se
considera ato estranho ao exercício da função do Presidente da República. O que
existe é a Lei 1079/50 que tipifica os crimes de responsabilidade.
Então, para sabermos quais são os atos estranhos à sua
função devemos realizar uma interpretação “a
contrario sensu”, ou seja, temos
que saber quais são os atos que são próprios à função de Presidente da
República, que estão elencados no art.85 da CF, para chegarmos aos atos estranhos
ao exercício de sua função. E não precisa de lei para isso, já que a matéria diz
respeito à competência exclusiva do Presidente da República, portanto, trata-se
de matéria, eminentemente, constitucional.
Em outras palavras, ato estranho ao exercício da função
do Presidente da República é qualquer ato que não esteja elecando,
taxativamente, no caput do art.85 da
Constituição Federal. Em outras palavras, todas as matérias elencadas de forma
taxativa no caput do art.85 da CF são atos próprios e de competência exclusiva do
Presidente da República e, portanto, a sua violação implica na sua responsabilização
pessoal, seja na esfera cível ou administrativa (Lei de Improbidade
Administrativa), seja na criminal (Lei do Crime de responsabilidade).
Percebe-se que os crimes de responsabilidade estão
tipificados na Lei 1079/50 de forma reflexa ao que dispõe o caput do art.85 da CF. Ou seja, todos os
crimes tipificados naquela lei dizem respeito à violação dos atos próprios de
competência exclusiva do Presidente da República, por ele mesmo, no exercício
de seu mandato, portanto, são crimes de responsabilidade. Em outras palavras os
crimes de responsabilidade estão, sim, tipificados na Lei 1079/50, que, se
violados, se tornam crimes de responsabilidade puníveis no exercício do
mandato. Portanto, a Lei 1079/50 foi sim, recepcionada pela Constituição
Federal, portanto, válida, vigente e eficaz. Em outras palavras, pronta para
ser aplicada.
Portanto, não há sentido em dizer que o Presidente da
República não pode ser responsabilizado por crimes cometidos no exercício do
mandato anterior, a uma, por causa do Princípio da Continuidade da
Administração Pública, a duas, por que se isso fosse verdade haveria uma “redução
compulsória da prescrição penal” dos crimes de responsabilidade que não condiz
com o sistema constitucional penal brasileiro. Afinal, o mandato de Presidente
da República não pode ser um “apagador de
crimes de responsabilidade” cometidos anteriormente e que não estão
prescritos! Essa interpretação não condiz com o sistema constitucional penal brasileiro
que deve ser respeitado a despeito de qualquer razão política.
Conclui-se que, na verdade, quando o § 4º do art.86 da CF diz que o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não
pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções, ele
quer dizer que ele não pode ser responsabilizado por crimes comuns cometidos
anteriormente ao mandato, e não por crimes de responsabilidade cometidos
durante o mandado anterior, mesmo que somente sejam descobertos no mandato
seguinte aos atos praticados. E isto por que, aqueles (crimes comuns) serão
apurados após o término de seu mandato, ao contrário destes (crimes de
responsabilidade) que deverão ser apurados no exercício do mandato, nos termos
da Lei 1079/50 e da Constituição Federal.
Assim, o Presidente da República não pode ser responsabilizado
por atos estranhos à sua função (crimes comuns) cometidos antes do mandato, mas
isso não o exime da responsabilização pelos atos infracionais relativos à sua
função, crimes de responsabilidade, cometidos no exercício do mandato.
Enfim, não há sentido em dizer que o Presidente da
República não pode ser responsabilizado pelos crimes cometidos no exercício de
seu mandato anterior, como se esses fossem “atos
estranhos ao exercício de seu mandato” e não crimes de responsabilidade,
tipificados em lei, que, portanto, devem sim, ser apurados, processados e
julgados nos termos da Lei e da Constituição Federal.
Sylvana Machado Ribeiro.