Gostaria de me manifestar aqui a respeito da possível progressão de regime, anunciada pela mídia, da assassina da estudante brasiliense Maria Cláudia Del’Isola. É bom lembrar, às autoridades judiciais, que a interpretação da Lei de Execução Penal, como o próprio nome diz é uma lei de execução da pena, deve ser feita em harmonia com todo o sistema penal. E, jamais, em contradição com o espírito da Lei Penal que é punir quem cometeu um crime e foi condenado, dentro do devido processo penal e nos limites da pena.
Nesse sentido, a Lei de Execução Penal ( Lei 7210/84) diz em seu artigo primeiro que “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Isso significa que o condenado deve cumprir a pena, que lhe foi imposta na sentença, dentro dos parâmetros e imposições legais. Assim, o cumprimento da pena pelo preso, com bom comportamento, não é nada mais que uma obrigação legal, ou seja, uma obrigação imposta pela lei penal e não uma opção.
Em várias oportunidades, a Lei de Execução Penal menciona a palavra “comportamento”. Na primeira delas diz, expressamente, no art. 39 “que constituem deveres do condenado: I - comportamento disciplinado e cumprimento fiel da sentença”. Sendo assim, ter bom comportamento não é uma opção ou ônus do condenado, mas, sim, uma obrigação imposta pela lei penal. Portanto, ele deve ter bom comportamento sempre.
Assim, fazendo uma interpretação teleológica e harmoniosa do art.39 da Lei de Execução Penal, com todo o ordenamento jurídico penal, é possível concluir-se que uma norma não pode ter comandos contraditórios e antagônicos. Ou seja, não pode a norma estabelecer um obrigação em um artigo e conceder benefícios, em outros, caso a obrigação criada seja cumprida como determinou a lei. Isso não faz o menor sentido!
Em outras palavras, se é obrigação do réu ter bom comportamento, não é possível que ele seja beneficiado com regalias ou progressão de regime, somente por estar cumprindo uma obrigação que lhe é imposta pela lei. Afinal, ele não está fazendo nada mais que sua obrigação legal, nos termos do art.39 da Lei de Execução Penal. Nesse sentido, o cumprimento integral da pena não pode ser condicionado ao fato de o condenado ter ou não ter bom comportamento, pois, esse não é o espírito da lei. Se a progressão de regime está condicionada ao bom comportamento do condenado, então, o art.39 não está sendo interpretado de forma teleológica e harmoniosa, pois, esse não é o espírito da Lei Penal.
Na linguagem popular, não pode a lei “dar com uma mão e tirar com a outra”. Portanto, de duas uma: ou o bom comportamento é obrigação, e, por isso, não dá direito a nenhuma regalia. Ou é um ônus, e como tal poderá ou não ser atendido, pelo condenado, que, no entanto, não terá nenhum benefício ou regalia, caso o cumpra, e, sim, punições caso não o cumpra e desde que, previamente, definidas em lei.
Assim, é possível concluir que o espírito da Lei de Execução Penal é fazer com que todos os condenados cumpram suas penas individual e integralmente, como determinado na sentença, mas, sempre, com bom comportamento. Em outras palavras, o bom comportamento é sim uma obrigação dos presos. Nesse sentido, não se pode admitir que haja regalias para os presos com bom comportamento e sim punições para aqueles que burlem a lei, ou seja, para aqueles que tiverem mau comportamento.
Essa sim deveria ser a correta interpretação da Lei de Execução Penal. Enfim, o bom comportamento não deveria ser causa de concessão de benefícios e sim, a falta dele, deveria ser causa de retirada de regalias. Só assim, o condenado teria a oportunidade de cumprir sua pena, dignamente, e pagar sua dívida com a sociedade, sem causar tantos transtornos para aqueles que jamais terão algum tipo de benefício: as vítimas, que, aliás, e na maioria das vezes, nunca mais terão a oportunidade de ter qualquer tipo de comportamento. Isso é o mínimo que esperamos do sistema penal justo com os condenados e com as vítimas.
Por fim, esperamos que as autoridades competentes, no caso da assassina de Maria Cláudia Del’Isola, interpretem a Lei de Execução Penal no seu único e verdadeiro sentido: o sentido da justiça!
Sylvana Machado Ribeiro é advogada em Brasília.